quinta-feira, 11 de março de 2010

Mulheres são melhores

Os homens que me perdoem, mas as mulheres são essenciais, as mulheres são melhores. Falo no geral. Na questão particular da sensualidade e da sexualidade, então, lembro Chico Anísio: “mulher é um negócio tão bom, que elas mesmas estão descobrindo isso”. Não quero polemizar, até porque meu lado mulher é superdesenvolvido, graças a Deus e à minha mãe – artista plástica, professora de artes e amante da música e da poesia -, mas meu lado mulher é lésbico. Assim, amo a alma feminina (e seu invólucro) e penso que as mulheres são essenciais, que as mulheres são melhores. O show de Maria Gadú, no final de semana, foi mais uma prova. Gadú é sensacional, um espetáculo de intérprete, um timbre maravilhoso, que aos 21 deixou de boca aberta quem ama música nesse país. E aos 22 hipnotiza teatros e bares com seu jeito tímido, meigo e de moleque. É moleque mesmo, porque quando ela entrou no palco do Centro de Convenções, com o cabelo escondido num boné, óculos escuros, camisetão, jeans e tênis tipo all star, a impressão que tive foi de que entrava um garoto skaitista, um moleque, não uma moleca. Isso faz parte do fascínio que ela excerce sobre a mulherada jovem. Não sei, nem vem ao caso, a questão da sexualidade da Gadú. Se é marketing ou opção, ou só jeitinho mesmo. Tampouco da platéia. O fato é que 70% do público era feminino e o show não teria sido a maravilha que foi, não fosse a presença maciça das mulheres, porque elas são essências, elas são melhores, porque a alma delas está degraus acima da alma de nós homens. Se a maioria fosse de homens o show teria sido outra coisa, obviamente muito mais sem graça, porque somos mortos por natureza e se não formos motivados por sexo e cachaça a coisa não anda, desanda. Produzidas e perfumadas femininamente, as garotas amam a Maria Gadú moleque, mas meiga, muito meiga; e tímida. Elas cantaram juntas todas as músicas, o que deve ter surpreendido aqueles que foram lá conhecer a revelação musical de 2009 pelo júri da Associação Paulista de Críticos de Arte, com apenas 22 anos.

Aí fico pensando pela luta das mulheres para serem iguais aos homens. Desculpe, mas querem ficar piores. Querem ser chefe igual, fumar igual, beber igual, transar igual, ser predadoras igual, viver igual e morrer igual, dos mesmos cânceres, dos mesmos ataques cardíacos, e dos mesmos avecês. E somos tão diferentes! A história recente da humanidade, leia-se a partir da modernidade, é a história da razão, e a razão tem pinto, é fálica. Porque razão é coisa de homem, é coisa maior; e emoção é coisa de mulher, coisa menor. Homem é pensamento, mais importante – quase toda a importância - mulher é sentimento, desimportante. Por obra e graça de Descartes que disse o famoso “penso ,logo existo” e depois do Iluminismo e seu empenho pelo desencantamento do mundo através da dissolução dos mitos, crenças, superstições, e também da imaginação, o que construímos foi esse fracasso – um mundo insosso, injusto, machista, anti-mulher, anti-poesia, anti-beleza. Construímos um mundo capenga, mutilado, onde um lado, o lado da mulher, sua essência, e tudo que lhe é cabível e atribuído ficou como menor; e o outro, o lado do homem, ficou como maior. Foi a vitória da denotação fria e direta, sobre a conotação rica e subjetiva. Foi a vitória da reta sobre a curva. Foi a vitória da matemática sobre as artes. Da cientificidade e do culto à tecnologia sobre a mística e a poesia. Foi a vitória do homem que não chora sobre a emotividade. Enfim, Deus criou o homem e este criou um mundo macho. E agora as mulheres, que são tão melhores, tão mais sensíveis, por essência, tão mais estetas e estéticas, querem esse mundo pra elas. Se pensarmos que a metade dominada, melhor na essência, adota o modelo da metade dominadora, pior por excelência, cabe perguntar: que ser vai sair daí? Quem viver verá. Agora a fase é de transmutação e de confusão. As publicidades e reportagens da mídia, nessa segunda-feira, Dia Internacional da Mulher, mostraram bem isso. Ora a mulher é homenageada como mãe, esposa e dona da vida, um modelo antigo e ligado à dominação; ora como executiva, mulher que trabalha e constrói carreira de sucesso, um modelo moderno, mas masculino, porque a única referência é o mundo fálico.

Mas que igualdade é essa? Fromm vai dizer que é a “igualdade dos autômatos, dos (...) que perderam sua individualidade”. Buscamos a igualdade em vez da unidade. “É a mesmice dos que trabalham nos mesmos serviços, têm as mesmas diversões, lêem os mesmos jornais, experimentam os mesmos sentimentos e as mesmas idéias”. Essa tal igualdade bem poderia ser chamada de padronização. Querendo essa igualdade em vez da unidade, “homens e mulheres deixam de ser pólos opostos para serem os mesmos pólos”.

Mas a esperança ressurge quando assisto um show como o de Maria Gadú. Porque a diferença da essência parece estar preservada. E se as mulheres conseguirem comandar o mundo, o que me é inexorável, poderemos realmente viver num novo planeta, com mais boniteza, mais emoção, um planeta mais metafórico, transcendental, justo e meigo, enfim. Mas para isso é preciso que essa transmutação não esmague a diferença, não sufoque a essência do ser feminino. Se a essência permanecer, como deve permanecer, teremos os homens buscando imitar as mulheres e teremos um Iluminismo às avessas, com um novo encantamento do mundo, no melhor sentido, um “engraçamento” do mundo. E lembrando Pepeu Gomes se “ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino”, espero que sendo mulheres masculinas, elas não firam nem mutilem o seu lado feminino. Aí terá valido toda essa zorra da sociedade capitalista contemporânea confundindo igualdade com unidade, garrafas e camas com liberdade, pólos opostos com pólos iguais, individualismo e quantidade com felicidade. Se a nova mulher ajudar a desconstruir esse velho e mutilado ser humano que somos todos, e ajudar a construir um novo ser, hibridizando, fazendo um mix do melhor dos dois lados, com uma puxadinha maior pro lado dela, terá valido a pena toda essa zorra agora. Parodiando Maria Gadú na obra-prima Altar Particular, estamos “com tudo a flutuar no rio, esperando a resposta” do tempo. E os homens que me perdoem, repito, mas as mulheres são essenciais, as mulheres são melhores.


Luiz Gonzaga Capaverde é jornalista, professor universitário, mestre em Filosofia e escreve a coluna Olho na Rua às quintas-feiras no O POVO Online

Fonte: O Povo Online

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